Quando estava em busca de uma temática para as reportagens que eu analisaria na minha dissertação de Mestrado – eu queria aplicar alguns conceitos e teorias jornalísticas e, por isso, qualquer notícia poderia ser utilizada – pensei e por que não juntar os conceitos com uma temática relevante à sociedade? Então, neste dia, um canal de televisão portuguesa exibiu uma reportagem especial sobre violência doméstica contra a mulher e pensei: esse será o tema. Um assunto atual, delicado, que requer atenção e que, infelizmente, está presente em todos os países.
Escolhi falar sobre isso aqui na coluna em dois dias: amanhã vou contar sobre a minha pesquisa e o contexto da violência doméstica contra a mulher; e hoje sobre um livro escrito por uma gaúcha, lançado recentemente. Quando se escolhe um tema de pesquisa, escolhe-se também entrar em contato com outras pessoas que investigam o assunto e que escrevem sobre a temática. Foi assim o “encontro” com a escrivã de polícia Marta Azzolin que, pelas redes sociais, contou-me sobre o livro que escreveu; eu falei sobre a minha pesquisa e o bate-papo transformou-se em uma entrevista. Marta é formada em Letras pela UFSM e trabalha como escrivã de polícia. Foi pelo que vivencia no dia a dia do trabalho que surgiu o livro As crônicas da Liberdade.
O que motivou a escrever o livro?
Comecei a escrever pela minha necessidade mesmo. Atrás de cada policial, existe um ser humano que sofre e que demora para digerir certos acontecimentos. Essas mortes por razões fúteis, banais, ridículas, são alguns desses acontecimentos que nos revoltam. A gente precisa cumprir um protocolo, seguir um roteiro, fazer um trabalho necessário para o Estado e tentamos fazer da melhor forma possível, mas isso não significa que não sejamos também afetados com aquilo. Muitas coisas se repetem. A violência, por exemplo, vemos em todos os casos, de forma mais ou menos intensa, o que muda são os personagens. Essas coisas mudam a gente também. Talvez, no início, eu tenha escrito apenas para tirar de dentro de mim o que não interessava a ninguém, mas me fazia mal. Com o tempo, percebi que poderia utilizar aquelas experiências para orientar quem sofre e quem ainda pode sofrer de violência contra a mulher. Meu objetivo é informar as adolescentes do que pode acontecer no final de um relacionamento para que elas mesmas corrijam o início. O agressor não se torna violento da noite para o dia. Os primeiros sinais são um tom mais alto na voz, um empurrão. Quero, com o livro, que a jovem, ao perceber esses sinais, decida, ela mesma, recusar a proposta do agressor, antes que chegue nas ameaças e ela seja aprisionada pelo ciclo da violência.
Das histórias que cruzaram pelo teu caminho, o que causa mais impacto e por quê?
No meu trabalho, o que me causa mais impacto é ver tamanha violência contra a mulher que o agressor mesmo escolheu para viver ao seu lado. Não pode ser normal os xingamentos, agressões (verbais e físicas) e, finalmente, a morte violentíssima de alguém que você diz que “ama”. Isso não pode ser amor.
De que maneira podemos auxiliar no combate a esse tipo de violência? A partir do acompanhamento dos casos dessas vítimas que chegam à delegacia de polícia, quais seriam as formas mais eficazes para travar a violência doméstica?
Além do livro, juntamente com a Polícia Civil, que é muito interessada em promover ações para o combate à violência contra a mulher, tenho uma palestra, chamada “O mundo secreto das mulheres”, para as escolas. É mais uma tentativa de diminuir os números desse tipo de violência. A ideia é chegar nos jovens, rapazes e moças, que estão iniciando a vida afetiva e informar sobre os casos descritos no livro. Assim, eles estarão cientes do que pode acontecer. Aconselhar as meninas a prestarem atenção aos sinais de agressividade do companheiro e orientar os meninos a, se identificarem qualquer sinal neles mesmos, procurar ajuda psicológica. Existe tratamento e precisamos prevenir/tratar antes de ter de lidar com as consequências – que podem ser devastadoras.
Deixo meu agradecimento à Marta e os parabéns pelo livro que, depois de lançado em Três Passos em outubro, já circulou pela Feira do Livro de Porto Alegre. Amanhã seguimos nesse tema, porque é preciso falar sobre ele!